terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Diário de Viagem - TURQUIA – 8° dia - Passeando de balão


Como eu disse anteriormente, para andar de balão é preciso acordar cedo, mas muito cedo mesmo! A saída do hotel estava marcada para 4:45h da madrugada (gente, tem vezes que eu vou dormir mais tarde do que isso!), isto quer dizer que eu acordei 4h, para tomar banho e fechar as malas, porque depois teríamos pouco tempo para isso, e nesse dia cairíamos novamente na estrada.

Uma van veio nos buscar juntamente com outros turistas que iriam subir ao céu naquela manhã. Por causa da hora, confesso que levei um casaco, porque achei que pudesse pegar um vento um pouco mais frio, o que foi uma decisão acertada, lá no alto realmente é mais fresco. Mas antes de chegarmos ao balão, fomos para uma espécie de central de visitantes, onde estava sendo servido uma tentativa ruim de café da manhã. A comida era ruim, o café e o pão eram frios... enfim, um desastre. Pelo menos deu para enganar um pouco a fome, que ainda estava dormindo.

Enquanto tomávamos o pseudo café da manhã tínhamos como vista os balões sendo preparados
Depois fomos levados para o nosso balão. E tinham diversos balões no local, todos em fases diferentes de preparação para a decolagem, o que foi muito interessante de ver. Depois de observar bem o processo, o nosso balão ficou pronto, nos separamos pelas diversas divisórias da cesta e alçamos vôo! Confesso que eu estava preocupada com o Caike, que tem um medo quase patológico de altura, mas a subida de balão é tão suave, mas tão suave que ele ficou muito tranqüilo.

Nosso balão quase pronto!
Início da subida com os demais balões
E o passeio é mesmo bonito, a vista da Capadócia é sensacional, com aquela paisagem tão diferente, com as rochas esburacadas, e o céu lotado de balões coloridos! Acho que valeu a pena a viagem. Porém, não foi o melhor passeio de balão que já fiz, pois acho que o passeio no Egito, em Luxor, é muito mais bonito. Não que a Capadócia não seja tão bonita, mas é porque essa região da Turquia é tão acidentada que podemos ter uma boa visão panorâmica da região no alto de suas “montanhas”, e ela é muito parecida com a vista do balão. Já no Egito, que é praticamente plano, você só consegue ter uma boa visão panorâmica de balão, o que deixa o passeio muito mais bonito e surpreendente. Em compensação, os baloeiros turcos gostam de acrescentar um pouco de emoção à viagem, pois eles fazem os balões passarem bem pertinho das rochas, de forma que você tem a sensação de que se esticar o braço poderá até encostar nelas!

Uma vista diferente com participação especial do nosso baloeiro!
A vista fica assim, cheia de balões! Repare como eles voam baixo também!
Mas o passeio em si é muito tranqüilo, o Caike só ficou realmente nervoso quando subimos além das rochas e fomos bem alto, quando a vista fica realmente diferente, parecida com a de um avião em estágio de descida. E no Egito essa vista ainda é mais bonita, por conta do contraste do Nilo, suas margens cultivadas e o deserto – azul, verde e dourado, enquanto na Capadócia essa visão é predominantemente cinza.

Um dos pontos altos do passeio, literalmente
E começamos a descer!
Depois de quase matar o Caike do coração, finalmente começamos a descer, e eu aprendi como se pousa de balão. Depois de ter sofrido uma aterrissagem de emergência em Luxor (que eu descobri só depois que tinha sido um acidente), aprendi que o balão pousa de forma bem suave e gentil, e já em cima da caçamba do mini-caminhão que transporta a cesta. É tão suave que para pousar mesmo e prender a cesta na caçamba é preciso que diversos homens que estão em terra se dependurem no balão para fazê-lo descer.

E voltamos à terra firme!
Fomos recebidos em terra com espumante e uma espécie de certificado de que voamos de balão, o que foi muito simpático. Aproveitamos para também tirar fotos com o nosso baloeiro.

Espumante com direito à vista!
Nosso baloeiro entregando os certificados!
Depois a van que acompanhava a equipe de “resgate” do balão nos levou de volta para o hotel, onde finalmente tomamos um café da manhã digno (mais do que digno, já que o hotel da Capadócia era chique demais), terminamos de fechar as malas e trocamos de roupa (o passeio de balão te deixa coberto de poeira da cabeça aos pés, é uma loucura).

Às 9h fomos nos encontrar com o nosso ônibus de viagem, e nos juntar com os demais turistas da nossa excursão que ficaram em outros hotéis. Como estávamos a caminho de Ancara, que fica bem longe, fizemos 3 paradas técnicas no percurso. A primeira foi bem sem graça e aproveitei para dormir no ônibus, saindo apenas para ir ao banheiro, na segunda paramos para almoçar, e como nossos neurônios ainda estavam dormindo, exageramos feio na quantidade de comida que pedimos, pois além de dois pidês (tipo de pizza num formato inusitado) pedimos também um prato que lembrava uma mistura de pastel com crepe, um para cada um de nós! Quando metade da comida chegou tentamos cancelar o pedido dos demais pratos, mas o garçom se recusou a entender o que queríamos dizer e acabamos por desistir de discutir e nos entupimos de comida, e mesmo assim sobrou muita coisa. Mas a terceira parada é que foi bacana! Paramos num caravançarai modernizado muito bonitinho! Com direito a diversas cadeiras e almofadas para descansar, e as onipresentes lojinhas de souvenires.

Caike no caravançarai modernizado
E finalmente chegamos à Ancara, a capital da Turquia! Ancara é uma cidade muito grande, mas não tanto quanto Istambul, para comparar, pense que Ancara equivale a Brasília, enquanto Istambul é São Paulo. Inclusive as razões para mudar a capital para essa cidade foram exatamente as mesmas usadas pelo JK e a situação era muito parecida também, pois Ancara era uma cidadezinha do interior sem estrutura nenhuma. A desvantagem dos turcos é que eles não tinham o Niemeyer. A desvantagem brasileira é que não temos tantos sítios arqueológicos para montar um museu como o de Ancara. Como a Turquia e o Brasil são realmente parecidos!

A nossa estadia em Ancara seria curta, apenas uma tarde, mas não deixamos de visitar o Museu Arqueológico da cidade, que é recheado de relíquias do mundo antigo, incluindo uma linda sessão de peças e frisos Hititas (um dos povos que estavam sempre disputando territórios com os antigos egípcios, como você pode ler na série Ramsés), além de peças extremamente antigas que remontam ao tempo em que os deuses cultuados na região eram mulheres, e mostram as mudanças da religiosidade na região. Enfim, o Museu é uma maravilha para se passar horas visitando com calma, e olha que quando chegamos lá metade do museu estava fechado para reformas! Foi uma pena que quando a guia perguntou sobre o tempo que o pessoal queria ficar visitando o museu, a maioria das pessoas simplesmente não se interessava pelo assunto, e ficamos com muito pouco tempo livre para ver a belíssima exposição. Mas a visita não deixou de ser emocionante, pois aproveitamos que esse seria o último dia em que o grupo estaria todo junto e com a nossa maravilhosa guia Tina, e escolhemos o momento anterior à visita ao museu para fazermos uma homenagem a ela e entregarmos a caixinha que tínhamos juntado entre os participantes da excursão. E foi uma homenagem muito linda mesmo, a Tina e diversas outras pessoas acabaram com os olhos cheios de lágrimas.

Uma das mais antigas estátuas da Deusa!
Restos mortais supostamente do Rei Midas! Aquele lesmo da lenda, que transformava tudo o que tocava em ouro!
Baixo relevo hitita
Com a nossa maravilhosa guia Tina!
Saindo do Museu Arqueológico fomos visitar outro grande marco da cidade: o Mausoléu de Ataturk. O engraçado dessa visita é como é feita a segurança do Mausoléu: para evitar a entrada de possíveis vândalos os militares exigem que todos passem pelo detector de metais, só que para isso você sai do ônibus, e depois volta a subir no ônibus, que não é revistado. Gente, quando eu disse que a Turquia é o Brasil eu não estava exagerando! Foi preciso muito autocontrole para não rir durante a “revista”. Mas, enfim, o Mausoléu foi inaugurado em 1953, 15 anos depois da morte de Mustafa Kemal Ataturk, o grande fundador da Turquia Moderna. Sua arquitetura foi definida através de um concurso, onde a melhor proposta foi do professor Emin Onat, que se inspirou na história da Turquia. Como uma grande enciclopédia em pedra, o Mausoléu foi construído com pedras trazidas de diversas regiões do país, representando a devoção do povo ao fundador da república. Para representar as diversas fases da história do país, o conjunto arquitetônico possui elementos da arquitetura grega, otomana e seljúcida (muçulmanos que invadiram a Turquia antes dos otomanos), baixo relevo de estilo hitita e mosaicos (elemento comum na arquitetura romana) que retratam desenhos comuns na tapeçaria turca. Para completar, o Mausoléu tem proporções gigantescas! Maior do que uns 3 ou 4 campos de futebol.

Os relevos de estilo hitita ao fundo
Os mosaicos no teto
Para ter uma ideia da grandiosidade do lugar...
Saindo do Mausoléu, nossa guia nos levou até o aeroporto de Ancara, que é muito grande e bem organizado. Porém, os atendentes nem sempre falam um inglês perfeito, e muitos dos turistas não falavam inglês também. Resultado: algumas das mulheres que viajavam no nosso grupo tiveram as suas malas despachadas direto para o Brasil, ao invés de Istambul, onde, como nós, elas ficariam alguns dias antes de voltar. E isso porque elas não quiseram ajuda da guia, que estava ajudando aqueles que não falavam inglês nos guichês.

Despachadas as malas, enquanto aguardávamos o nosso vôo, bateu aquela fome, e fui descobrir um petisco turco que nunca imaginei que fosse encontrar: milho cozido! Sim, só que diferentemente das nossas carrocinhas, o milho lá é servido fora da espiga, num copinho que você pode escolher o tamanho, e também o tempero! Aí é que começam as estranhices, pois até tempero doce você pode colocar no seu milho! Eu escolhi algo bem tranqüilo: manteiga e sal. Ficou maravilhoso.

O vôo de volta à Istambul foi muito tranqüilo e rápido, apesar da mesa da minha poltrona estar quebrada, isto é, ela não ficava recolhida. Ainda bem que os comissários de bordo sabiam disso e ninguém veio encher o saco para dizer que eu tinha que recolher a tal mesa.

Infelizmente só quando chegamos em Istambul é que fomos descobrir o tal problema das malas das outras brasileiras, o que nos custou uma longa espera até o problema ser comunicado à empresa aérea, que garantiu que levaria as bagagens para suas donas assim que elas retornassem a Istambul no dia seguinte. Confesso que fiquei com pena, mas também foi muito chato ficar lá esperando isso ser resolvido.

Finalmente de volta a essa linda cidade, e ao nosso hotel (o mesmo que ficamos quando chegamos na Turquia), guardamos nossas malas no novo quarto e resolvemos jantar no restaurante do próprio hotel, pois estávamos exaustos! Para variar, pedi um kebab de cordeiro com pão pita, que infelizmente veio picante, mas deu para comer bem porque pedi um ayran para acompanhar, e o iogurte cortou bem a pimenta.

O jantar temperado com muita pimenta e sono!
Depois do jantar fomos descobrir o verdadeiro sentido da palavra capotar de sono. E precisávamos descansar mesmo, pois ainda tínhamos que desvendar os mistérios de Istambul!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Show OPTCHA!




Nessa sexta gente! Estarei ao lado da linda Clara Sussekind, que já apareceu por aqui no Diário de Viagem da Turquia, e das maravilhosas Mayara Rajal e Annya Kalitch. Vamos nos divertir com um show cheio de folclores e danças quentes!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Kisses from Kairo - A Política do Assédio

imagem da graphic novel "Habibi" de Craig Thompson



Segunda-feira, 11  de junho de 2012

Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha   


Estava escrito assim nas manchetes dessa semana: “Mulheres egípcias são assediadas sexualmente em manifestação contra assédios”. Bom, isso não é irônico?

Na sexta, algumas centenas de mulheres organizaram um protesto contra assédios para denunciar o assédio sexual que é onipresente no Egito. Homens que as apoiavam fizeram um círculo protetor ao redor delas, apenas para serem subjugados por uma multidão de homens jovens e violentos que assediaram sexualmente algumas das mulheres participantes.

E isso, senhoras e senhores, é o que acontece quando as mulheres resolvem se defender no Egito.

Espera, talvez nós não devamos ser tão rápidos em condená-los. Vamos ver pelo lado positivo. Algumas mulheres e alguns homens estão começando a reconhecer que o assédio sexual é um GRANDE problema e estão se dispondo a fazer alguma coisa a respeito. É triste que tenha demorado muitos casos de estupros coletivos durante a revolução para que acordassem, mas pelo menos eles acordaram. Antes tarde do que nunca. :/

Mas vamos encarar o problema. O ódio às mulheres está profundamente enraizado na sociedade egípcia. Assim como em diversos lugares, mas especialmente no mundo árabe. E a terrível combinação de extremismo religioso, cultura e testosterona é a culpada.

Antes que me acusem de propagar estereótipos negativos, por favor notem que eu já antecipei tal acusação, e sendo bem sincera, não dou a mínima. Eu tenho uma formação superior numa universidade de elite e tenho total noção de que o que estou dizendo não é politicamente correto nem sensível às diferenças culturais. Isso porque estou mais interessada em dizer a verdade do que em ser “sensível” com relação a pessoas que são insensíveis às mulheres. Isso, além do fato de que eu vivo aqui, o que me dá o direito de dizer as coisas como elas são. Eu não poderia dizer essas coisas quando estava em Harvard a mais 8 mil quilômetros de distância. Eu não tinha experiência “in loco” para corroborar minhas afirmações. Mais importante, a máfia dos culturalmente sensíveis teria me enforcado pela minha completa ausência de jogo de cintura.

Por alguma razão, nós ocidentais “liberalizados” ficamos extremamente desconfortáveis quando alguém sugere que a misoginia é um dos principais pilares da cultura do Oriente Médio. Mas isso não significa que isso não seja verdade. De que outra forma você explicaria o que aconteceu na última sexta? De que outra forma você explicaria todos os casos de estupro coletivo que acontecem toda vez que se faz um grande protesto na Praça Tahrir? A que podemos atribuir a alta taxa de violência doméstica? De circuncisão feminina? E dos assassinatos por honra que acontecem de tempos em tempos?

Vou te dizer como o egípcio médio explica os acontecimentos dessa última sexta-feira. De acordo com eles, alguns remanescentes do regime Mubarak pagaram “criminosos” para estuprar as mulheres numa tentativa de manchar a imagem da revolução. Não só nessa sexta, mas em todas as sextas em que isso aconteceu. Beleza. Vamos supor apenas para argumentar que essa teoria é verdadeira. Ainda assim não é desculpa. Esses supostos “criminosos” não são estrangeiros. Eles são egípcios como quaisquer outros. E não me importa o quanto eles precisam de dinheiro. Existem milhares de pobres que não fariam esse tipo de coisa mesmo que se oferecesse o mundo a eles. Além disso, quem quer que seja capaz de cometer tais atrocidades por dinheiro é bem capaz de cometê-las sem ser por dinheiro. O problema não é a pobreza. É a misoginia.

A outra explicação mais popular para o que aconteceu é a falta de segurança no Egito. Oi? Desde quando falta de segurança virou desculpa para assediar mulheres? Seres humanos decentes não precisam de uma força policial no cangote para não estuprar mulheres.

Tudo isso estranhamente me lembra do que aconteceu após o furacão Katrina e do tsunami que atingiu o Japão alguns anos atrás. Como o furacão Katrina mostrou, desastres naturais criam por um tempo um ambiente com condições perfeitas para a ilegalidade. E como o tsunami japonês demonstrou, a ilegalidade não precisa acontecer. Realmente o mundo caiu em louvores aos japoneses por manterem o mais alto nível moral durante um período em que eles tinham todas as desculpas para não fazê-lo. Isso prova que a ilegalidade não é um resultado inevitável de um policiamento reduzido, mas uma escolha que as pessoas fazem.

Similarmente, os violentos crimes misóginos que as mulheres têm sofrido após a revolução não são um resultado inevitável das forças de segurança do regime terem sido reduzidas. Eles são resultado de más escolhas que indivíduos masculinos fazem. E de tal forma, eles deveriam ser processados dentro da lei.

Exceto que não existe uma lei criminalizando o assédio sexual no Egito. Liberais tem tentado criar uma já faz algum tempo, mas sem sucesso. Eles são minoria perto daqueles que acreditam que uma mulher recebe o que ela merece. Se ela é assediada é porque ela se veste e/ou se comporta de forma inapropriada. Se ela é estuprada, ela deveria ter feito algo para evitar isso também. O assédio é considerado algo que é culpa da mulher. Os homens estão completamente isentos de culpa.

As únicas leis considerando as mulheres sendo discutidas no momento são as que vão diminuir a idade mínima para mulheres casarem, de 18 para 14 anos, e as que darão direito aos maridos de fazerem sexo com os cadáveres das suas esposas, até 6 horas após a morte delas. Seguindo esse caminho, eu não acho que o Egito vá criar nenhuma lei contra assédios tão cedo.

Pensando sobre a situação das mulheres egípcias, me peguei pensando sobre as mulheres no meu país. Como elas chegaram onde estão hoje? Como foi o seu movimento pelos direitos das mulheres? Que tipos de direitos elas lutaram para ter? Elas enfrentaram o mesmo tipo de respostas violentas que as atuais egípcias?

Eu não sou especialista em direitos femininos de nenhuma parte do mundo, mas a impressão que tive das minhas aulas de história na escola foi que as americanas lutaram pelo direito de votar, de trabalhar fora de casa, e (ainda) pelo direito ao aborto. Basicamente as mulheres queriam o direito de existir intelectualmente tais como seus colegas do sexo masculino. Compare com as questões atuais das mulheres do Oriente Médio. Claro, as mulheres do Oriente Médio podem votar, e algumas trabalham fora de casa. Diabos, elas tinham até mesmo o direito de se divorciar (em circunstâncias limitadas) e à herança antes mesmo das mulheres ocidentais poderem. Mas para que serve tudo isso se elas não têm o direito básico à segurança em suas próprias ruas e suas próprias casas? De que serve tudo isso se os homens podem abusar delas verbalmente, emocionalmente, fisicamente e sexualmente sem o menor medo de serem condenados, muito menos de serem presos?

Por favor não me entendam mal. Não estou condenando toda uma cultura ou região. Eu sei que existem homens muito esclarecidos no Oriente Médio que estão trabalhando junto com as mulheres para criar um futuro melhor. E que existem mulheres liberalizadas no Egito. Mas eles ainda são uma pequena minoria. Eu também sei que crimes contra a mulher acontecem no mundo inteiro, inclusive no Ocidente.

... Ainda assim parece ser um verdadeiro problema no mundo árabe. Talvez porque ainda não tenha nenhum estigma associado a isso. Nos EUA, por exemplo, se um homem assedia uma mulher existe uma grande chance de ele ser preso. Mais importante, ele será desprezado por quase todos que o conhecem, incluindo, possivelmente, os seus pais e filhos do sexo masculino. O fato de que homens que assediam mulheres sofrerem consequências legais e sociais severas no ocidente resultou na redução da violência contra a mulher ao longo dos anos – violência doméstica, pelo menos.

Por outro lado, homens no Oriente Médio não sofrem as mesmas consequências por seus crimes misóginos. Eles não ficam mal vistos pela sociedade, e eles certamente não vão para a cadeia. E quanto às vítimas mulheres, não existem serviços de apoio disponíveis. Não existem abrigos para mulheres espancadas. Não existe ninguém oferecendo a elas ajuda psicológica. Na melhor das ocasiões, elas são tratadas como se nada tivesse acontecido. Na pior, elas são culpadas por provocar o ódio ou o desejo sexual nos homens, dependendo do tipo de ataque que elas sofreram.

O que me leva ao meu próximo tópico. O maior problema não é necessariamente os homens que se envolvem em violência contra a mulher. São os homens que ficam em volta, que arrumam desculpas ou deixam de condenar o comportamento dos outros é que são o real problema. Precisa haver homens o suficiente, não apenas mulheres, dispostos a adotar uma postura contra a violência misógina... dispostos a ensinar aos seus filhos a não se envolverem nisso, e às suas filhas a não tolerar isso. Não haverá progresso até isso acontecer.

Entretanto, mais homens não serão esclarecidos até mais mulheres fazerem um esforço coletivo em denunciar publicamente a misoginia. Por mais triste que eu esteja por todas as mulheres vítimas das sextas na Tahrir, temo que seja necessário suportar muito mais para que elas comecem a ter algum impacto na consciência masculina. Não vai ser fácil, e provavelmente teremos ainda mais violência. Mas esse é o preço do progresso.

Esse progresso, entretanto, vai demandar maior participação e freqüência. Para que esses protestos tenham algum impacto, eles precisam incluir uma parcela maior da população feminina. Algumas centenas de mulheres das classes de elite fazendo uma demonstração de vez em quando não terá o efeito desejado. Os egípcios não levam à sério minorias, especialmente se é considerada “radical”. Mas se as mulheres de todas as classes começassem a demandar por segurança nas ruas e nas suas casas, o Egito seria forçado a ouvi-las.

Eu não sou de forma nenhuma otimista demais. Sei que existem muitos obstáculos para a mobilização das mulheres. O primeiro e maior deles é a violência. Uma mulher que sai da cozinha para protestar pelos seus direitos provavelmente sofrerá de alguma violência quando voltar para a cozinha. Existe uma boa probabilidade de que os seus “homens”, sejam o marido, pai, ou irmãos, irão puni-la pelo seu “comportamento impróprio”.

O segundo obstáculo para a mobilização feminina é a conscientização. Eu posso estar errada, mas eu tenho a forte suspeita de que a maioria das mulheres não têm noção de que as coisas poderiam ser melhores. Eu nem tenho certeza de que elas reconhecem os abusos como sendo abusos. Os abusos são tão rotineiros na vida de tantas mulheres que elas não necessariamente os vêem como algo errado. O que torna as coisas ainda piores é que para muitas mulheres não existe nenhuma base de comparação. A maioria das suas vizinhas e parentas leva uma vida similar. Elas não têm acesso ao estilo de vida das classes mais altas, a não ser que elas trabalhem como faxineiras para os egípcios ricos e liberalizados.

O que nos leva à questão... Podem as mulheres serem reprimidas se elas não percebem?

Se uma árvore cai numa floresta e não tem ninguém em volta, ela ainda faz algum som?

O terceiro obstáculo, a maioria das mulheres não possui educação suficiente para que possa pedir por algo melhor. De acordo com o Conselho a Favor da Mulher no Egito, 50% das mulheres egípcias são analfabetas. Eu não preciso explicar que isso é um empecilho para a mobilização das mulheres.

Essas são as razões pelas quais as mulheres não têm sido suficientemente ativas na criminalização das diversas manifestações da misoginia, e porque a sociedade ainda acha que isso é normal...

... o que é mesmo. Eu não sei quais são as razões biológicas ou psicológicas para isso, mas estou definitivamente convencida de que a misoginia é natural para os homens. Assim como o preconceito, ganância, ambição, e pênis não circuncidados (:D). Mas isso não significa que essas coisas são boas. “Natural” e “bom” não são a necessariamente a mesma coisa. Nós herdamos esse mundo do seu criador em seu estado bruto, mas o criador também nos deu um cérebro para torná-lo melhor. Nós fazemos melhorias físicas, com coisas como a tecnologia... e cesáreas. Nós podemos fazer isso mentalmente pelo condicionamento social.

Os homens precisam ser condicionados a abandonar o seu estado natural de misoginia. E as mulheres é que devem fazer isso. Claro que elas vão precisar do apoio dos homens nesse caminho, mas o maior impulso precisa vir das mulheres. O objetivo é que as mulheres cheguem num ponto em que elas percebam que elas têm escolha. Porque são escolhas que fazem das pessoas seres humanos. Elas nos forçam a nos utilizar da razão, que é o que nos diferencia dos animais.

Até isso acontecer, não podemos utilizar honestamente a palavra “revolução” para descrever o que aconteceu no Egito. Não houve revolução. Revolução significa mudança, mas tudo continua exatamente igual ao que era antes da queda de Mubarak. As pessoas ainda tem a cabeça muito limitada. As mulheres ainda são oprimidas. Os pobres continuam pobres e os ricos continuam ricos. E nada disso vai mudar até que o Egito reconheça a dignidade de suas mulheres. Legalmente, socialmente e politicamente.

Você pode dar uma olhada no último post da Luna sobre esse assunto aqui: A Feminista Frustrada

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Esse texto é de autoria exclusiva da Luna do Cairo e o Ventre da Dança não concorda com todas as colocações aqui expostas, especialmente no que tange que a misoginia é "natural" do homem. Acreditamos que a misoginia é uma construção social, e que, portanto, os homens são ensinados que é assim que as coisas são, e eles agem de acordo com esse aprendizado.

Para mais matérias sobre o assunto você pode ver aqui: 



terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Nadia Gamal (parte 3)



Como muitas já sabem, Nadia Gamal é minha grande ídola da dança oriental, e por isso eu tento fazer o assunto em torno dela durar o máximo possível!

Na parte 1 dessa longa matéria, vimos a biografia da grande diva do Líbano (apesar dela ser egípcia!), e na parte 2 vimos os primeiros vídeos dela, quando ela ainda trabalhava no Egito e estava começando a desenvolver o seu estilo próprio, que viria a ser a sua marca registrada e razão para o seu sucesso estrondoso (ela chegou a ser chamada de Isadora Duncan da dança oriental por conta da sua expressividade).

Agora vamos ver como foi a transformação dessa bailarina quando ela começou a trabalhar fora do Egito!

Vamos começar vendo como ela é versátil nesse vídeo com Farid Al Atrache e a cantora libanesa Sabah.



Nesse vídeo, Nadia só começa a dançar lá por volta dos 9 minutos, mas repare como a sua coreografia não é nada oriental, é sim moderna! Com alguns leves toques orientais, o objetivo aqui é passar a sua expressão! Confesso que das bailarinas da sua época, Nadia é a única que já vi em vídeos desse tipo, onde o foco é outro estilo de dança. E isso é uma das explicações para o desenvolvimento do seu estilo único e da sua expressividade marcante.

Em 1965, Nadia já começou a fazer sucesso fora do mundo árabe (ela viajaria o mundo inteiro como uma espécie de embaixadora da dança oriental), e por isso você pode encontra-la no filme inglês "24 horas para matar", e ela tem falas! Em inglês!



Apesar da cena de dança ser muito pequena, aqui você já vê Nadia com o seu estilo próprio, que a sagraria num futuro próximo. E ela já começa a deixar o cabelo crescer (o auge do seu sucesso seria com ele bem comprido), como veremos nos vídeos adiante.

Ainda nesse ano, Nadia participou de produções libanesas, como o filme "Al Seba wa Al Jamal", onde sua dança aparece numa cena bastante familiar, ao invés de num palco:



Repare como a expressão dela faz parte da dança, de um jeito muito particular, e como ela se utiliza de outros elementos em cena para a sua dança, além de brincar com os outros atores.

Ainda nesse filme, Nadia contracena novamente com a cantora libanesa Sabah, dessa vez numa dança típica dos anos 60, ao som de uma música francesa!



Apesar da coreografia não ser oriental, podemos perceber alguns elementos do dabke nessa dança.

O filme "Al Seba wa Al Jamal" (os jovens e bonitos) está recheado de cenas de dança de Nadia, como podemos ver em mais esse trecho:



Dessa vez, Nadia dança com o véu, que ela usaria de forma muito mais criativa e constante que as contemporâneas egípcias.

A seguir temos um clipe do filme "Mawal", da mesma época.



Nesse vídeo já podemos ver o poderoso trabalho de quadril da Nadia, que seria uma das suas marcas registradas (esse shimmie imenso que só ela faz), além do seu trabalho de mãos que é bem diferente do que se vê normalmente. Além disso, vale reparar como Nadia sempre se utiliza de elementos do palco para realçar a sua dança, como a sua original entrada com apenas a perna aparecendo.

1965 foi um ano agitadíssimo para Nadia, ela aparece em outro filme libanês, "Hasna al Badiya", com a cantora Samira Tawfiq.



Apesar do trecho ser bem curto, podemos apreciar o trabalho de Nadia com os snujs.

Mais ou menos nessa mesma época, Nadia também contracenou com o cantor Fahed Ballan.



Aqui vemos novamente os movimentos típicos da Nadia Gamal, além da sua ousadia: ela dança em cima da mesa!

Para finalizar, uma dança um pouco mais longa dessa linda bailarina!



Vale a pena reparar no redondo com cambré que ela utiliza aqui, é um dos seus passos favoritos!

E no próximo post veremos o auge da sua carreira! Fiquem atentos às demais novidades do Ventre da Dança!


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Livro do mês: O ladrão e os cães



Sei que estou super atrasada com o blog... é uma dívida! Mas sabe o "ditado" de que no Brasil nada funciona antes do Carnaval? Pois é, é mais verdade do que eu imaginava!

Mas pretendo compensar o atraso com uma super indicação de leitura: "O ladrão e os cães" do aclamado autor egípcio, e ganhador do Nobel de Literatura, Naguib Mahfouz.

Antes de falar sobre o  livro gostaria de colocar algumas palavras sobre o autor. Naguib Mahfouz (também transliterado para o português como Nagib Mahfuz) começou a escrever ainda jovem, e seus primeiros romances retratavam de uma forma bem romântica o Egito Faraônico, dos quais 3 já foram traduzidos para o português. Mais tarde, influenciado pelo movimento realista europeu, ele começou a escrever romances sobre o Egito atual (para ele, então estamos falando do século XX, o que não mudou muito, diga-se de passagem). Foi nessa fase que ele escreveu a sua obra prima, A Trilogia do Cairo, e também é dessa fase que foi produzido "O ladrão e os Cães".

Esse livro é quase um conto de tão curtinho (na medida para ler entre um bloco e outro de carnaval), mas extremamente denso! A história é bem pesada, pois se trata de uma espécie de Hobin Hood egípcio que vai parar na cadeia e depois procura vingança. A narrativa é em primeira pessoa, contada pelo próprio ladrão, com todas as suas angústias e injustiças sofridas, não só por ele, mas pelo resto do povo egípcio também, o que deixa o tom de raiva muito acentuado, retratando de forma muito interessante como os egípcios se sentem (e ajuda a entender o que tem acontecido por aquelas terras depois da revolução de 2011).


capa da edição brasileira de bolso, a única disponível em português
E o final do livro é simplesmente magistral! Quem curte ação e literatura descritiva (daquelas que fazem você ver a história na sua frente, como se fosse um filme) vai adorar! Eu pessoalmente achei melhor do que muitas descrições de batalhas do Bernard Cornwell (um mestre nesse quesito na minha humilde opinião). E é Naguib Mahfouz, né, gente? Só pode ser bom!

Para maiores detalhes, você pode ver outra resenha que fiz desse livro aqui.

Alguém já leu esse livro? Compartilhe a sua opinião com a gente nos comentários!