quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Dançando com conteúdo

Por Lalitha

Depois de quase um ano sem postar aqui resolvi que era hora de voltar a escrever. Nesse ano sabático andei pensando e pesando diversas coisas, algumas muito controversas, e finalmente me sinto pronta e com energia para sair da toca e botar a boca no mundo novamente.

Uma das coisas que tem me incomodado nos últimos festivais e nas últimas apresentações que assisti é a falta de conteúdo na dança do ventre. O que quero dizer com conteúdo? É aquilo que a bailarina quer passar de mensagem para o seu público.  Não precisa ser nada muito complexo, veja bem, não estou dizendo que eu gostaria de ver na dança do ventre o mesmo estilo de performance super elaborada como se encontra em outros estilos de dança (apesar de ser bem vindo para arejar a nossa amada dança), mas pelo menos alguma EMOÇÃO em quem dança.

Não, sorriso automático não conta como emoção. Cara de sofrimento exagerada também não.

É engraçado como as vezes eu vejo bailarinas iniciantes preenchendo muito mais o palco com suas emoções do que bailarinas com anos de estrada. Fiquei me perguntando o que levaria a esse fenômeno, em que momento a técnica e a busca da perfeição tiram o brilho dos olhos da bailarina, e nessa busca fui estudar Isadora Duncan. Nesse estudo uma das lições que aprendi foi: o simples é muito difícil de atingir, mas costuma ser o mais eficaz e elegante. Outra lição importante foi que você precisa estar inteiramente presente em cada gesto, em cada movimento do seu corpo, e para isso, os seus gestos e movimentos precisam ter SIGNIFICADO.

Para a bailarina colocar significado na sua dança cheguei à conclusão que ela precisa não só sentir a música, mas compreendê-la. Quando a música é instrumental, e se a bailarina tiver um bom ouvido e um bom contato com as suas próprias emoções, apenas sentir a música é suficiente, mais do que suficiente. A dança se torna uma expressão do que a bailarina sente quando escuta aquela música, e o resultado pode ser sensacional. Porém, se a música tem letra, o buraco é mais embaixo.

Músicas com letras em árabe podem ser complicadas de se dançar, todos já estão carecas de ouvir histórias de bailarinas que dançaram músicas religiosas e ofenderam muçulmanos no processo, ou dançaram músicas que falavam de revoluções sangrentas como se fosse uma festa animada. Mas vou deixar esse tópico em específico para tratar depois, pois o problema é mais complexo, e árabe não é uma língua fácil.

Até porque mesmo tendo uma boa tradução na mão, ou se você fala árabe e a compreensão da música nesse sentido foi superada, ainda tem o problema que mencionei anteriormente: a bailarina precisa SENTIR, ela precisa ter noção de que sentimentos aquela música ou letra despertam nela mesma para então projetar aquilo para o público. E  é aí que tenho visto mais dificuldades e problemas.

Como criar o seu conteúdo? Como sentir/descobrir o que aquela música significa para você?

Para mim, tudo começa por uma pergunta: por que você dança? Qual é o seu real motivo para dançar? O que você busca alcançar com a sua dança?

A partir dessas respostas outras perguntas surgem, e quanto mais você descobrir sobre o que a motiva, mais emocionada você ficará ao ouvir um violino. Quanto mais explorar a si mesma, você ficará cada vez mais sensível aos seus próprios sentimentos, e aí, na hora de dançar é preciso sempre manter um esforço para deixar aquilo tudo fluir pelo seu corpo. E isso, na verdade, é necessário em todas as formas de arte. A diferença é que na dança e na música isso não só é visível no artista, como é irrepetível. Você nunca vai dançar igual duas vezes, mesmo com coreografia, simplesmente porque você não tem exatamente a mesma reação emotiva duas vezes.

E também nesse ponto que entra uma outra coisa que podemos fazer e que ajuda: "alimentar a alma". Quanto mais alimentamos nossa alma com coisas que nos toquem, que nos faça entrar em contato com os nossos sentimentos, mais sensíveis ficaremos para dançar. E aí vale tudo quanto é arte: pintura, literatura, cinema, músicas de todos os estilos, danças de todos os estilos.

Porque nessa busca do porquê dançar está incluída a pergunta: o que te toca? Quais quadros te fazem chorar, que filmes te fazem rir, que estilo de música te faz levantar e sair dançando?

Pessoalmente eu gosto muito de ler e de pintura e fotografia, então eu leio uma quantidade enorme de livros de ficção, tenho até um blog sobre isso, e criei a pouco tempo uma conta no pinterest, onde comecei a colecionar imagens que me tocam e me inspiram.

E adoro ver vídeos de danças de diversos estilos, sou daquelas que busca inspiração em todos os tipos de dança. Só para dar um gostinho, aqui um exemplo de um bailarino iraniano (mas que mora na França) que tem um trabalho que eu acho belíssimo e inspirador com leitura moderna da dança persa:

Primeiro uma filmagem de estúdio:

Agora dois vídeos de um espetáculo que ele criou com base em mitos persas:






Com o quê vocês alimentam a alma?

2 comentários:

  1. Falou tudo!
    Eu acredito que qualquer forma de bitolação insensibiliza. Sendo assim, quem busca a formatação técnica e expressiva compromete essa individualidade ao performar uma música.
    Parabéns pelo post! E que bom que voltou a alimentar o blog! Mais uma fonte pra alimentar almas e cérebros no mundo dançante :)

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  2. Obrigada por me fazer ver que não estou viajando por aproveitar minha experiência em outros campos de arte na minha dança, pra me expressar melhor e me comunicar com o público.
    Seu texto aliado à busca por uma música me deu uma ideia louca para espetáculo de dança! Louca, não... clássica! rs

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